TOM, Meu irmão mais novo.
Dados
Internacionais de Catalogação
Sampaio,
Thiago Macedo. TOM, meu irmão mais novo. - 1. ed. – Salvador-Ba:
TMS Produções, 2012. Disponível
em:<http://tmsnovoscontos.blogspot.com.br/>.
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Thiago
Macedo Sampaio
Novos
contos
TOM,
meu irmão mais novo
Primeira
edição
TMS Produções
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TOM,
MEU IRMÃO MAIS NOVO
Thiago
Macedo Sampaio
Revisão:
Mercia Verbena Macedo Sampaio
Nenhuma
parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização
expressa do autor e da editora.
Direitos
para essa edição
TMS
Produções
Trav.
3 da Rua Francisco Gil, 29 – Paraíso
46880-000
–Itaberaba-Ba
Tel.:
(71) 9307-7060 ou 8878-8851
Publicado
no Brasil pela primeira vez em setembro de 2012
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DEDICATÓRIA
Dedico aos alunos da
Escola Municipal Maclina Maria da Glória, que fica em Vilas de
Abrantes, Orla de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, na
Bahia, no Brasil. Meus amigos, irmãos e filhos, espero nunca apagar
as alegrias que me proporcionaram ao longo do ano de 2012 guardadas a
sete chaves em meu coração. De igual modo, o dedico aos excelentes
profissionais que compõe a referida Escola, com exceção da Gestão
2012, na qual o conceito de excelência é questionável. Ainda, em
especial, a Natan, grande amigo.
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SUMÁRIO
Apresentação
Cap. I –
Filhote, surpresa!
Cap. II –
Tom e Eu em casa
Cap. III –
Tom, Eu e eles
Cap. IV – O
estopim
Cap. V – O
acorda para a vida
Cap. VI -
Natal em família
Biografia
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Apresentação
Este conto fictício tem
por finalidade discorrer sobre uma situação de conflito familiar –o
individualismo parental.
E nesse sentido, aborda
uma série de outros problemas sociais, como a homofobia, os crimes
passionais, a modificação no cenário demográfico nacional pelo
migrar dos jovens do interior para as capitais em busca de aprimorar
seus estudos e de conseguir melhores oportunidades de trabalho.
Ainda, cabe ressaltar que
o presente conto traz uma linguagem simples voltada para a melhor
compreensão por parte de crianças e adolescentes, público alvo
desta produção, e que ainda assim, abrange assuntos interessantes a
todas as idades.
Capítulo I
Filhote, surpresa!
No relógio marcava 8
horas da manhã, embora o relógio estivesse adiantado 1 hora,
precauções minhas para não me atrasar ao ir trabalhar.
Então, na hora descrita,
meu celular tocou a música "eu também vou reclamar" do
ilustríssimo e finado poeta baiano Raul Seixas que eu optara por
toque:
- To dormindo. Dizia eu
com prosa irônica.
- Pode levantar, uma hora
da tarde e ainda ta deitado, se ainda morasse comigo não teria essa
folga. Resmungava minha mãe que morava na Chapada Diamantina, no
interior da Bahia, local no qual tive a desventura de nascer.
- Ta bom minha mãe já
levantei, diga o que deseja essa hora da manhã. Na verdade eu
continuava deitado e novamente estava sendo irônico.
- Tome um banho, escove
os dentes, faça a barba, corte as unhas vista uma roupa limpa e vá
buscar seu irmão na rodoviária que está indo morar com você na
capital, cuide bem dele e venham para cá no Natal, juízo e Deus ti
abençoe. Em seguida, Dona Vanusa desligou o telefone para evitar
meus questionamentos.
Dona Vanusa falava pelos
contovelos, quando me ligava disparava a narrar histórias e
resenhas, coisa era quando tinha alguém perto que ela também
colocava para falar comigo, tanto fazia eu conhecer a pessoa ou não.
Minha mãe chegava a
assustar na forma que ela controlava minha vida mesmo fazendo 10 anos
que já não vivíamos juntos, e quando ela disparava a falar o
melhor era deixar o celular gravar a conversa para depois analisar a
fundo já que de tempo em tempo ela perguntava se eu já havia
esquecido de determinado assunto que ela dissera em determinado dia.
Enfim, conviver com Dona
Vanusa era fazer curso intensivo de secretariado e arquivologia, já
que as conversas eram reduzidas a atas e arquivadas.
Mas naquela manhã cometi
a imprudência de voltar a dormir.
Mais tarde, por volta das
12 horas comecei lentamente a acordar e recuperar a consciência, foi
quando dei um pinote da cama ao perceber que minha mãe realmente
havia ligado, e que a notícia de que meu irmão Tom estava chegando
em Salvador para morar comigo era um pesadelo real.
Daí, corri e saltei
todas as recomendações de minha velha porque já estava atrasado,
só peguei o vale transporte e segui no primeiro ônibus rumo a
rodoviária.
No caminho eu resmungava
sozinho dentro do ônibus:
- Oxente, só tenho 26
anos e já vou ter que bancar o padastro de um moleque de 17 anos, na
idade dele eu já completava 1 ano morando sozinho na capital,
período no qual eu já trabalhava e estudava.
Precisei parar de
resmungar sozinho por que no ônibus já estavam me olhando e
imaginando: “aquele menino deve estar maluco, veio o caminho
inteiro conversando sozinho”.
Não sei exatamente se
foi o que imaginaram, mas foi isso ou me acharam bonito porque não
paravam de me olhar, desde os novinhos até as piriguetes do fundão.
E olhe que este estado
compulsório maluco de falar sozinho não era exclusividade minhas,
vez que tanto minha mãe quanto minha avó também vive a conversarem
com o vento, o que me leva a crer que devemos ter algum defeito
genético.
Mas enfim, chegando na
rodoviária, ainda torcia para o ônibus ter atrasado, já que aquele
abençoado era tão maquiavélico que ligaria para minha mãe assim
que não me visse no desembarque, e foi o que de fato aconteceu.
Levei um susto quando vi
Tom sentado no desembarque, pense a visão do inferno, ele vestiasse
e se comportava quase como uma menina e ainda de quebra estava com um
namorado que morava em Salvador, mas que ao teclar comigo, ele apenas
denominava: "Amor".
Isso mesmo que vocês
entenderam, Tom estava com o NAMORADO, palavra forte que me assustava
só de saber que existia no emprego entre pessoas do mesmo sexo.
Tom era gay e nem minha
mãe e nem ele mesmo tinham me contado.
Mas sempre foi assim,
tudo que eu falava ou omitia era errado e tudo que Tom fazia era
normal, era fase dele, e que eu na condição de irmão mais velho
precisava entender e aprender a lidar com o chamado irmãozinho.
Tom era praticamente uma
menina, mas eu só lembrava de meu irmão casula, o moleque que
crescería para me dar muitos sobrinhos.
E pense num gay
evidentemente afetado e fechativo! Agora multiplique por 10. Este era
Tom, meu irmão mais novo.
Pense num juízo
pertubado era o meu naquele momento, em decorrência do calor
insuportável que fazia em Salvador, acrescido pelo ônibus cheio,
pelo trânsito congestionado, além do excesso de barulho dos
vendedores ambulantes vendendo mídias musicais piratas e que
disputavam a potência de seus sons.
Com a mente apertada eu
olhei para Tom, cumprimentei e montei guarda para seus comentários
infelizes.
Rindo, Tom já me
recepcionou destilando veneno:
- To com minha mãe ao
telefone, já disse que você atrasou e que ti vi chegar mal vestido,
sem escovar os dentes, de barba e unhas grandes, disse que você está
um bagaço. Gargalhava Tom, tirando onda com a minha cara.
Para não falar com minha
mãe naquele momento de espanto tomei o celular da mão de Tom e
simulei a queda da ligação.
- Venha e dê um abraço
em teu irmão. Disse Tom de braços abertos.
Olhei
para ele bravo e hesitei por alguns segundos, tempo em que aproveitei
para alertá-lo que em caso de mais uma gracinha daquelas o deportava
dali mesmo de volta para Chapada Diamantina.
Por
fim, cedi um pouco e abracei sim.
Mas ainda estava bem
constrangido com a situação, olhava para os lados com medo que
alguém na rodoviária me reconhecesse e presumisse que eu também
fosse gay.
Aonde em toda minha vida
eu abraçaria outro homem em um local público, ainda que fosse
parente! Vim da Chapada Diamantina, que é praticamente um oasis meio
ao sertão, lá aprendi as lições do cabra macho com meu pai e
tios:
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“LIÇÕES DO CABRA
MACHO
Homem macho não chora
Homem macho não diz:
“eu te amo”
Homem macho não
escreve carta de amor
Homem macho não faz
tarefas domésticas
Homem macho não
abraça outro homem
Homem macho arrota
quando termina de comer
Homem macho escarra ao
escovar os dentes
Homem macho cospe no
chão o tempo todo
Homem macho coça o
saco o tempo todo
Homem macho não pede
ajuda
Homem macho controla
mulher mesmo que na base da porrada.”
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Quando pensei que o dia
não podia ficar pior, Tom me apresenta ao namorado.
- Este é Diego, meu
namorado, ele mora perto de você, também na orla.
- My brother! My love e
também teu brother fala muito bem de você, ele tem muito orgulho de
ser seu irmão, você é a Madona dele. Afirmou Diego para mim em um
show a parte.
Todas as características
físicas e comportamentais que descrevi sobre Tom multiplique desta
vez por mil e visualizará Diego.
Com cabelo rosa choque,
calça branca colada, blaiser amarelo cheio de brilho, bolsa feminina
e usando batom, Diego parecia uma árvore de Natal.
Estarrecido, eu encarava
Diego sem palavras e já me preparava para afastá-lo caso ele
quisesse me abraçar também.
Tom percebeu meu choque e
evitou que eu criticasse tudo em Diego.
- Não dê muita ousadia
a meu irmão não Diego porquê ele vai ficar se achando muito. Disse
Tom rindo descontroladamente.
Me sentia em um circo de
horrores, rogando pela hora que entraria um apresentador de televisão
para informar que eu havía caído numa pegadinha, momento que não
chegou e minha triste sorte foi então compreendida.
Enquanto Tom se despedia
de Diego peguei sua bagagem e o aguardei na Estação Iguatemi, que é
o principal terminal de transporte coletivo local de Salvador.
Tudo que antes me
incomodava já não era mais tão ruim: som dos vendedores
ambulantes; trânsito congestionado; e calor absurdo. Percebi que o
problema estava em minha vida e não do meio ambiente.
Eu e Tom fomos de ônibus
para minha casa, agora casa dele também, aliás eu já nem sabia
mais.
Eu quase não conversava,
anestesiado, em choque, ao tempo em que Tom resenhava uma história
atrás da outra, com sua forma exagerada de se expressar, cheia de
gestos, caras e bocas, elevação da voz, em resumo, nada discreto.
Percebi ali que minha
pacata vida estava em transformação.
Capítulo II
Tom e Eu em casa
Logo nas primeiras
semanas percebi que Tom apesar de ter 17 anos tinha mentalidade de 12
anos, e nenhum senso de organização.
Tom ficava o dia inteiro
acessando a internet, espalhava roupa suja e toalha molhada por toda
a casa e não lavava nem o prato que comia, em outras palavras, era
um peso morto.
Por outro lado, por mais
que eu reclamasse do barulho do som alto, adorava vê-lo dançar
música pop e cantar em inglês.
De vez em quando, Tom
inventava comidas malucas ou fazia receitas que aprendia na tv e na
internet.
Com ele em casa era
certeza de reclamação de vizinhos, casa suja e
contas de luz altíssimas.
Eu
dava graças a Deus quando chegava o fim de semana e Tom saía para
as praias do Litoral Norte da Bahia com Diego e com amigos.
Era
nos momentos em que ficava sozinho em casa que planejava uma maneira
de convencer minha mãe de que o melhor para Tom era ficar na Chapada
Diamantina com ela.
Eu
jurava que só fui feliz enquanto morei sozinho e que a presença de
Tom suspendeu meu progresso.
Naquele
momento a única certeza que eu tinha é a de que precisava que Tom
fosse embora e permanecesse longe de mim.
Capítulo
III
Tom,
Eu e eles
Certa
vez, Tom foi na universidade aonde eu estudava ciências sociais, e
fui motivo de chacota com os colegas.
Como
Tom não anda, ele desfila, ele conseguiu a proeza de invadir a aula
de Metodologia do Trabalho Científico para me avisar que não
dormiría em casa e de quebra ainda conseguiu convencer meu professor
também bofe a ir em nossa casa no fim de semana.
Minha
cara foi parar no chão!
Noutro
momento, Tom apareceu todo vestido de rosa choque na missa de
domingo, aonde eu o aguardava com uma paquera bem católica e
conservadora. A novinha não se importou muito com o estilo pitoresco
de Tom, mas a família dela ficou espantada, e em decorrência disso
antes do término da mesma semana proibiram nosso namoro.
Foram
tantas outras situações constrangedoras que passei a ter vergonha
de sair com meu irmão.
Tom
foi aprovado no vestibular na mesma Universidade aonde eu estava o
que aumentou meu repúdio por suas estravagâncias, vez que no
ambiente acadêmico podería prejudicar minha imagem conservadora.
Para
se ter ideia, até mesmo a matrícula de Tom no curso de psicologia
na universidade foi minha mãe quem fez porque inventei que estava
ocupado e não podería ir à universidade naquele dia.
Com
o tempo, meu inconformismo com o fato de Tom estudar na mesma
Universidade que eu só cresceu. Comecei a evitá-lo dentro da
Universidade, e fingir não conhecê-lo.
Nós
da turma de ciências sociais sempre gerimos todas as reivindicações
dentro da Universidade, em especial nas que era necessário invasão
do campus e montagem de acampamento.
Eu
era o mais consciente da turma, o menos comunista, logo negociava com
a reitoria e apaziguava os excessos dos manifestantes, em especial os
que passavam o dia fumando maconha no pátio do campus usando de
desculpa a motivação de causar comovência ou o desconforto da
administração.
Afinal,
como viram, eu não estava errado, pois tinha uma reputação e uma
popularidade a zelar.
Capítulo
IV
O
estopim
Até
tentei me adaptar ao jeito extravagante, exagerado e dado de Tom, mas
o que ele fez certa tarde foi demais.
Eu
vinha escrevendo um artigo científico sobre o preconceito na
sociedade brasileira, já havia lido mais de dez doutrinas e já
havia produzido mais de vinte laudas no formato digital.
Ao
tempo em que fui ao centro da cidade pagar algumas contas no banco e
para comprar utensílios domésticos, Tom chamou Diego e um casal de
amigos deles, Danilo e Luiza, para uma festinha em minha casa.
Quando
cheguei, a casa estava uma bagunça e meu pendrive com o artigo
científico salvo estava dentro de um copo de caipirinha.
Estourei
e briguei com Tom na frente dos amigos e do namorado e terminei por
colocá-lo para fora de casa.
Diego
intercedeu com voz alta e me disse que Tom não precisava de mim
porque tinha ele.
Agora
imagine só, dois irresponsáveis me desafiando, logo a mim, uma
pessoa tão centrada!
Naquele
dia, Tom pegou sua bagagem e mudou-se para casa de Diego.
Pensei
que estava livre e que não era minha responsabilidade, inclusive
disse tudo isso para minha mãe quando ligou perguntando o que tinha
acontecido.
A
coroa resmungou sozinha, mas abafou no interior para que os demais
parentes e conhecidos não fofocassem sobre o fato.
Me
aproveitei da situação e disse que se ela quisesse eu anunciava nas
redes sociais do porque coloquei meu irmão para fora de casa.
Me
senti venenoso na ocasião. Estava feliz por ostentar um perfil
individualista. O menino bonzinho do interior já não era mais tão
besta.
O
fato é que com o passar dos dias refleti melhor, sentia falta de meu
irmão e das maluquices dele, principalmente quando ele me manda
torpedos pelo celular, aonde sempre era objetivo e ao mesmo tempo
engraçado, deixando bem claro que ainda estava chateado, do tipo:
____________
“TO
VIVO, OBRIGADO !:-)”.
_____________
A
cada torpedo me sentia cada vez pior. Será que tería descontado
frustrações antigas na pessoa errada? Será que meu irmãozinho
realmente estava bem?
Certa
sexta-feira, Tom me mandou um torpedo diferente, aonde dizia: "Mano,
Diego não é quem eu imaginava, ele é problemático, neurótico e
psicótico".
Tom
sempre foi nerd e era extremamente culto, ele nunca usava espressões
em que o significado não se aplicava exatamente ao contexto. Isso
porque, Libriano, meu irmãozinho sempre pensava muito antes de se
manifestar sobre determinado assunto, motivo pelo qual era
irredutível em suas esplanações.
Sendo
assim corrí para pesquisar no google sobre estas qualidades.
_________
“Problemático
significa duvidoso, suscetível de complicações.
Neurótico
significa um ser com uma reação excessiva da mente e do sistema
nervoso aos distúrbios físicos ou a experiências desagradáveis.
Psicótico
é a pessoa que vive em um mundo onde a realidade é outra,
inatingível por nós ou mesmo por outros psicóticos, mas vive
simultanemaente neste “mundo real”. Delírio é o principal
sintoma. O psicótico possui um estado anormal de funcionamento
psíquico. Mudanças de humor constantes, manias, obsessão.”
_________
Ainda,
por conhecer o jeito exagerado de Tom não levei tão a sério seus
comentários sobre Diego, ainda que as suas qualificações sobre
Diego fossem tão nocivamente acentuadas.
Tanto
Tom como eu, compartilhamos os perfis orgulhosos, e com isso nenhum
reconhecia que já estava na hora de dar um basta naquela briga sem
cabimento.
Com
o astral em baixa liguei para amigos e fomos comer o famoso
escondidinho da Mouraria, apostando que a noite de sexta-feira em
Salvador me alegraria.
Os
bares da Mouraria atraem todos os tipos de público, mas são
praticamente a casa dos universitários do Tororó, Nazaré, Barris,
Saúde, Garcia e Dois de Julho, locais em que se concentram a maioria
das casas dos estudantes do interior do estado, espécies de
repúblicas.
Nesta
saída estava malzão e exagerei no vinho, quando meus amigos
perceberam me levaram para casa.
Entrei
em casa e fui direto a geladeira aliviar a ressaca com água, nem bem
voltei e praticamente desmaiei no tapete da sala.
Capítulo
V
O
acorda para vida
Em
certo sábado de chuva, aliás o que era novidade em Salvador vez que
na capital baiana não tem inverno, acordei triste porque já fazia
um tempo que Tom não me ligava e nem mandava torpedos ou e-mail.
Mas
algo estava errado naquele dia, eu amanheci agoniado, sentindo um
aperto no peito e me esfriou a espinha ao tocar de meu celular.
Mas
daí a lembrar onde tinha colocado o celular depois do porre da noite
anterior foi difícil. Revirei quarto, sala, banheiro e por último
fui na cozinha, só então encontrei o celular tocando dentro da
geladeira.
E
coração de irmão não se engana, era mesmo Tom falando tão rápido
que nem ao certo uma palavra se compreendia.
Comecei
a entender o pânico de meu irmão quando Luiza, sua amiga tomou-lhe
o celular e começou a me explicar o que estava acontecendo.
Também
nervosa, ela explicou que Diego e Danilo estavam tentando matar Tom e
ela.
Explicou
também que Tom e ela estavam presos na kitnet aonde Tom estava
morando com Diego.
Embora
eu estivesse ouvindo de Luiza toda a confusão que estava ocorrendo
naquele momento com Tom e ela, me perdí em lembranças de minha vida
com Tom no interior. Meu irmãozinho sempre tão grudado em mim,
sempre tão dependente. Extremamente atrapalhado buscava em mim um
espelho para tentar fazer as coisas “certas”, e em contrapartida
eu sempre áspero, rude e individualista.
Meu
desengonçado e sem sorte só quis a vida inteira que eu, seu super
herói, vigiasse suas maluquices e desandos.
Lembrei
então que meio a discurssão entre minha mãe e eu no dia em que
coloquei Tom para fora de minha casa ela havía dito que foi Tom quem
disse que queria morar comigo.
Meu
coração ficava cada vez mais despedaçado, tadinho do bichinho, de
fato ele me amava muito.
Como
bom estudante de ciências sociais comecei a especular o porque de
Tom ter desejado morar comigo. Cheguei na conclusão de que a
repressão nociva aos homossexuais no interior do Brasil fazia Tom se
sentir vunerável a retaliações, e a escolha de viver comigo na
capital era motivada pela visualização da segurança que Tom tinha
em mim, além da melhor aceitação da condição de vida dele
socialmente.
Depois
de profunda reflexão nestes minutos de viagem ao centro de minha
consciência, me senti um lixo.
Já
ciente do palhaço homofóbico que fui pedi para que Luiza me
explicasse melhor como se formou a confusão.
Muito
nervosa, Luiz contou mais ou menos isso: Diego namorava com Tom e
eles eram amigos de um casal, Danilo e Luiza, um casal bissexual; os
dois casais brigavam muito, cada um com seu companheiro, com isso as
relações já estavam desgastadas; e na intenção de flagrar uma
possível traição, Diego simulou viajar, mas retornou a Ladeira dos
Travestis, próximo a praça Castro Alves, aonde ficava sua kitnet;
ao chegar na kitnet, Diego viu Luiza deitada no colo de Tom; na
verdade não houve nada, mas o ciúme criou fantasias na mente de
Diego que foi até o trabalho de Danilo e o convenceu de que eles
estavam sendo traídos; por conseguinte, Diego e Danilo compraram uma
arma na mão de um traficante do bairro e acuaram Tom e Luiza dentro
da kitnet ameaçando matá-los assim que saíssem.
Para
que eu soubesse melhor o que estava acontecendo, após me explicar o
contexto, Luiza colocou o celular no viva-voz próximo da porta,
momento no qual ouvi Diego e Danilo conversarem:
-
Danilo, eu não tenho coragem de matar Tom pois ainda o amo muito.
Ouvia Diego falar com voz roca por estar aparentemente chorando.
-
Ok! então eu mato Tom e você mata Luiza, porque também não tenho
coragem de matá-la pelo mesmo motivo seu. Retrucava Danilo com voz
tensa.
-
Então já é! Saiam daí ou vamos invadir e dar fim em vocês mesmo
em frente do oratório de minha mãe Iemanjá. Gritava Diego para Tom
e Luiza fazendo menção ao oratório que confeccionara para sua
imagem de Santa Bárbara, que tanto cultuava.
-
Saravá mainha! Pedía Danilo a benção da vaidosa orixá.
-
Odoiá minha mãe! Diego também saudava a orixá.
-
Vou atirar na fechadura se não saírem em 10 minutos. Berrava Danilo
cauteloso por medo da ira de Iemanjá caso o ato fosse consumado
dentro da kitnet, frente ao altar de Santa Bárbara.
Danilo
e Diego eram tão devotos que estavam ambos usando blusas amarelas em
respeito ao sábado, dia de Iemanjá para os fiéis Umbandas ou do
Candomblé.
Sorte
que minha casa era bem perto da kitnet de Tom e Diego, nem precisei
esperar passar ônibus e fui correndo socorrer meu irmãozinho.
Naquela
altura eu já havia telefonando para a polícia que estava a caminho
e corrí para lá.
Já
cheguei azoado, retado mesmo, dei dois pares de gritos nos dois, mas
não surtiu efeito, eram jovens que não se submetiam a limites.
Mudando
a estratégia tentei acalmá-los apresentando-lhes as consequências
negativas que aquela conduta acarretaría.
Continuei
tentando conversar com os dois na manha, mas eles não me ouviram.
Quando
a polícia chegou já foi aquele bafafa, eles com medo da fama de
violenta da polícia de Salvador se entregaram.
A
polícia efetuou a prisão de Diego e Danilo e me fez algumas
perguntas sobre o caso.
Tom
saiu da kitnet já de malas nas mãos, me abraçou e pediu para
voltar a morar comigo dizendo me amar e prometendo me ouvir mais.
Luiza
ficou com pena de Danilo e seguiu com a viatura para a Delegacia, eu
soube que lá ela conseguiu se explicar e fizeram as pazes, mas soube
ainda tempos depois que ele a matara por ciúmes. Normal, o cemitério
está cheio de almas compreensivas como a de Luiza.
Capítulo
VI
Natal
em família
Enfim
em paz, Tom e eu nos acostumamos um com o outro, nós aprendemos a
respeitar nossas diferenças e a convivência ficou muito divertida.
Sei
que não foi algo que escolhi para mim, mas morar com meu irmão mais
novo fez mais por mim do que eu pudesse fazer por ele, me fez uma
pessoa melhor.
Sinto
por muitas pessoas julgarem as pessoas por aparência física ou
condição comportamental sem dar chances para descobrirem pessoas
fantásticas.
Como
me foi ordenado, no Natal levei Tom para a Chapada Diamantina e
juntos reencontramos minha mãe.
Eu
estar novamente no interior era um sacrifício que talvez as pessoas
não entendam, por razões que no momento não cabe ressaltar, mas
para se ter uma ideia já fazía anos que eu ficava sozinho nos
festejos natalinos.
Juntos
montamos a árvore de Natal, cozinhamos e nos divertimos muito.
Foi
um lindo Natal, o melhor de minha vida.
Ao
invés de ler meu cartão natalino no momento da ceia, li meu artigo
científico, totalmente reescrito após tantos momentos intensos.
Usei
a experiência de conviver com Tom como base de estudo para criticar
o preconceito.
Elevando a voz no momento de ler o último parágrafo, que dizia: “Ainda que doutrinas científicas não sejam suficientes para exigir um tratamento e respeito igualitário entre homens, mulheres, crianças e idosos, nos apeguemos a doutrina divina, e lembremos dos ensinamentos de Cristo, nascido nesta mesma data, que nos rogou para amar uns aos outros acima de tudo”.
Sugiro a versão dublado do filme Oração para Bobby como dica para complemento de formulação de uma crítica social a este conto.
http://www.youtube.com/watch?v=VR7vOJLfxx4
"Antes de ecoarem amém em suas casas e no local de oração, pensem e lembrem, uma criança está ouvindo" (Mary Griffith - Em memória de Bobby Griffith)